Abaixo segue uma interessante historia de vida e a importancia do conhecimento financeiro. Parabens ao Waldir pelo excelente texto.
Marco Donostio Filho teve uma infância e juventude bem aventurada, seu pai, migrante italiano, foi um cafeicultor que até os anos 90 viveu um bom período de prosperidade. Esta prosperidade propiciou à família um padrão de vida de classe alta, todos os filhos de Marco Donostio estudaram em boas escolas, mas infelizmente no ano de 1989, uma geada acabou com os cafezais. Marco foi obrigado a pegar empréstimos em bancos e acabou por se afundar em dívidas que o levaram a vender a fazenda de café e ficar com um pequeno pedaço de terra para dar sustento a seus quatro filhos e esposa, interrompendo assim, o prosseguimento dos estudos de seus filhos. Marco Donostio Filho, o mais velho da prole, à época estava se preparando para ingressar na Universidade de Agronomia. Teve que abandonar o cursinho preparatório por falta de recurso, passando a ajudar seu pai na lavoura e no sustento da família.
Foram tempos difíceis.
Os anos se passaram, Marco Donostio Filho se casou, constituiu uma família com três filhos, dois homens e uma mulher e depois que seu pai faleceu e seus irmãos seguiram outros caminhos, foi trabalhar e ser caseiro de um haras, levando sua família e sua mãe. Seu patrão se chamava Marco também, Donostio era um nome muito difícil de ser pronunciado pelos peões e Filho não soava bem, foi então que a peãozada criou o apelido pelo qual era conhecido até mesmo pelos patrões, Madofi. Quando surgiu o escândalo do Madoff americano, foi motivo de muitas piadas e gozações de alguns amigos de seu patrão que frequentavam o haras.
A vida melhorou um pouco, seu patrão era um bem sucedido participante do mercado financeiro e isso lhe propiciou nos finais de semana e feriados, ouvir conversas de frequentadores do haras sobre mercados e investimentos.
"Investimentos mágicos não duram para sempre, O Madoff norte-americano que o diga!"Interessou-se tanto pelo assunto que pediu permissão ao patrão para usar o computador e a internet nos dias de semana para estudar e realizar algumas pesquisas.
Madofi costumava fazer sua fezinha na mega sena, jogava sempre os mesmos números, a idade de seus filhos, 15, 13 e 6, a idade de sua esposa 37, sua idade 43 e, como não tinha o número da idade de sua mãe, 80, jogava o ano de nascimento, 28. Jogava sempre esses números e mais duas combinações na surpresinha.
Numa tarde chuvosa de uma segunda-feira estava arrumando uns papéis e contas para pagar, resolveu conferir sua aposta. Quando viu os números, 9, 13, 16, 26, 42 e 46, pensou que mais uma vez não tinha feito nem um terno, mas quando conferiu toda aposta viu que acabara de ganhar R$ 25 milhões e alguns trocados. Naquele concurso da mega teve apenas um ganhador e foi Madofi.
A partir deste dia Madofi passou a ter um grande problema a resolver: Como ajudar seus irmãos, sua família, tios e tias e construir um conforto financeiro para o futuro de seus filhos?
Se não tomasse cuidado, gastaria tudo rapidamente, investiria em negócios mal sucedidos e voltaria onde estava há até poucos dias atrás.
Pensou no insucesso como agricultor de seu pai, nas conversas que costuma ouvir dos visitantes do mercado financeiro no haras, e então, decidiu por conta própria aprender sobre investimentos usando a internet.
Deixou quase todo o dinheiro do prêmio aplicado na CEF, pediu sigilo total e foi estudar a melhor forma de investir. Apesar de só ter completado o segundo grau nos estudos adquiriu uma experiência de vida que não lhe permitiria cometer os erros que muitos investidores cometeram nos últimos tempos e Madofi acompanhou pela internet e nas conversas dos amigos de seu patrão.
Seis meses depois, aprendeu muita coisa sobre investimentos, ficou fascinado por juros compostos e seduzido por aplicações em bolsa de valores.
Chegou então a hora de aplicar os conhecimentos, e o dia não poderia ser mais propício: 22 de julho de 2009, data da divulgação da taxa de juros pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central, o chamado Copom.
Por tudo que Madofi aprendeu com a vida, com a quebra de seu pai, tudo que leu, ouviu e estudou e a observação dos últimos acontecimentos econômicos, sabia que essa reunião do Copom era importante, mas não fundamental para definir seus investimentos.
Comprar CDBs de bancos não iria. Outro dia esteve em um banco assuntando investimentos e o gerente recomendou que comprasse CDB, que agora tem uma garantia do governo federal ou então aplicasse em alguns fundos de investimentos.
Madofi pensou: oras, se a garantia do CDB é dada pelo governo federal a aplicação em títulos do governo é muito mais garantida. Se meu ex-patrão e seus amigos ganham comissão para administrar o dinheiro dos outros é porque quem aplica com eles não estudou o tanto que estudei para aprender, deixam para os outros aplicarem seus recursos por falta de conhecimentos - Tou fora! - frase que costumava ouvir a beira da piscina do haras quando um "figurão" daqueles dava uma recusa.
Depois de acompanhar o debate, que estranhamente saiu da mídia, sobre a rentabilidade da poupança e a dos demais investimentos com a queda na taxa básica de juros, Madofi já estava decidido.
Iria aplicar R$ 5 milhões em ações, 60% em Petrobras e 40% em Vale do Rio Doce, não quer muito risco por não precisar correr desesperadamente atrás de uma fortuna que ele já possui, mas também quer investir em bolsa em longo prazo, para acompanhar de vez em quando e por acreditar nessas duas empresas de futuro promissor. Dos R$ 15 milhões restantes, R$ 4 milhões usaria de imediato para ajudar seus familiares e comprar uma pequena propriedade para realizar seu sonho de ter um cultivo de pimentas para comercializar.
Os R$ 11 milhões vão para os investimentos mais seguros e rentáveis que avaliou: R$ 3 milhões em LTNs, com vencimento em 01/07/2011 a taxa de 10,50% ao ano; R$ 8 milhões em NTN-B com vencimento em 15/08/2024 a taxa de IPCA, mais 6,40% ao ano.
Se educando financeiramente Madofi descobriu muita coisa.
Descobriu que não existem investimentos com retornos mágicos.
Que rendimentos passados não são parâmetros para avaliação de rendimentos futuros. E o mais importante, que o deixou muito surpreso, foi o fato de se discutirem tanto sobre tributação, taxação da poupança, taxa de administração de recursos e outros assuntos relacionados ao novo patamar do juro básico e uma aplicação como em NTN-B ainda render inflação mais 6,40% ao ano por um prazo tão longo e com garantia federal.
Se por um infortúnio ele perder os R$ 9 milhões que investiu em bolsa e na propriedade, for obrigado a gastar os cerca de R$ 3,5 milhões aplicados em LTNs, em 2024 ele terá seus R$ 20 milhões, mais a inflação do período corrigida, no resgate da NTN-B em 2024.
Madofi ficou feliz com seus investimentos, no entanto, ao se tornar uma pessoa mais lúcida em relação à realidade financeira brasileira, ficou um tanto aborrecido e questionou:
Como pode um país remunerar uma aplicação financeira a uma taxa tão alta, por tão longo tempo como as aplicações em NTN-Bs?
Como pode o setor bancário cobrar um juro tão alto na taxa de empréstimos?
Com uma taxa de juros deste tamanho por um período tão longo só investe na produção quem quer correr muitos riscos. E com uma taxa de empréstimos desta magnitude mais dia menos dia, numa crise dessas qualquer, os emprestadores não vão receber de ninguém, pois quem toma empréstimo a mais de 100% ao ano é porque tem grande chance de quebrar.
Investimentos mágicos não duram para sempre, mais hora menos hora, vão todos pro vinagre, O Madoff norte-americano que o diga!
Há 35 anos no mercado financeiro, Waldir Kiel Junior é economista e escreve mensalmente na InfoMoney, às quartas-feiras. waldir.kiel@infomoney.com.br
Marco Donostio Filho teve uma infância e juventude bem aventurada, seu pai, migrante italiano, foi um cafeicultor que até os anos 90 viveu um bom período de prosperidade. Esta prosperidade propiciou à família um padrão de vida de classe alta, todos os filhos de Marco Donostio estudaram em boas escolas, mas infelizmente no ano de 1989, uma geada acabou com os cafezais. Marco foi obrigado a pegar empréstimos em bancos e acabou por se afundar em dívidas que o levaram a vender a fazenda de café e ficar com um pequeno pedaço de terra para dar sustento a seus quatro filhos e esposa, interrompendo assim, o prosseguimento dos estudos de seus filhos. Marco Donostio Filho, o mais velho da prole, à época estava se preparando para ingressar na Universidade de Agronomia. Teve que abandonar o cursinho preparatório por falta de recurso, passando a ajudar seu pai na lavoura e no sustento da família.
Foram tempos difíceis.
Os anos se passaram, Marco Donostio Filho se casou, constituiu uma família com três filhos, dois homens e uma mulher e depois que seu pai faleceu e seus irmãos seguiram outros caminhos, foi trabalhar e ser caseiro de um haras, levando sua família e sua mãe. Seu patrão se chamava Marco também, Donostio era um nome muito difícil de ser pronunciado pelos peões e Filho não soava bem, foi então que a peãozada criou o apelido pelo qual era conhecido até mesmo pelos patrões, Madofi. Quando surgiu o escândalo do Madoff americano, foi motivo de muitas piadas e gozações de alguns amigos de seu patrão que frequentavam o haras.
A vida melhorou um pouco, seu patrão era um bem sucedido participante do mercado financeiro e isso lhe propiciou nos finais de semana e feriados, ouvir conversas de frequentadores do haras sobre mercados e investimentos.
"Investimentos mágicos não duram para sempre, O Madoff norte-americano que o diga!"Interessou-se tanto pelo assunto que pediu permissão ao patrão para usar o computador e a internet nos dias de semana para estudar e realizar algumas pesquisas.
Madofi costumava fazer sua fezinha na mega sena, jogava sempre os mesmos números, a idade de seus filhos, 15, 13 e 6, a idade de sua esposa 37, sua idade 43 e, como não tinha o número da idade de sua mãe, 80, jogava o ano de nascimento, 28. Jogava sempre esses números e mais duas combinações na surpresinha.
Numa tarde chuvosa de uma segunda-feira estava arrumando uns papéis e contas para pagar, resolveu conferir sua aposta. Quando viu os números, 9, 13, 16, 26, 42 e 46, pensou que mais uma vez não tinha feito nem um terno, mas quando conferiu toda aposta viu que acabara de ganhar R$ 25 milhões e alguns trocados. Naquele concurso da mega teve apenas um ganhador e foi Madofi.
A partir deste dia Madofi passou a ter um grande problema a resolver: Como ajudar seus irmãos, sua família, tios e tias e construir um conforto financeiro para o futuro de seus filhos?
Se não tomasse cuidado, gastaria tudo rapidamente, investiria em negócios mal sucedidos e voltaria onde estava há até poucos dias atrás.
Pensou no insucesso como agricultor de seu pai, nas conversas que costuma ouvir dos visitantes do mercado financeiro no haras, e então, decidiu por conta própria aprender sobre investimentos usando a internet.
Deixou quase todo o dinheiro do prêmio aplicado na CEF, pediu sigilo total e foi estudar a melhor forma de investir. Apesar de só ter completado o segundo grau nos estudos adquiriu uma experiência de vida que não lhe permitiria cometer os erros que muitos investidores cometeram nos últimos tempos e Madofi acompanhou pela internet e nas conversas dos amigos de seu patrão.
Seis meses depois, aprendeu muita coisa sobre investimentos, ficou fascinado por juros compostos e seduzido por aplicações em bolsa de valores.
Chegou então a hora de aplicar os conhecimentos, e o dia não poderia ser mais propício: 22 de julho de 2009, data da divulgação da taxa de juros pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central, o chamado Copom.
Por tudo que Madofi aprendeu com a vida, com a quebra de seu pai, tudo que leu, ouviu e estudou e a observação dos últimos acontecimentos econômicos, sabia que essa reunião do Copom era importante, mas não fundamental para definir seus investimentos.
Comprar CDBs de bancos não iria. Outro dia esteve em um banco assuntando investimentos e o gerente recomendou que comprasse CDB, que agora tem uma garantia do governo federal ou então aplicasse em alguns fundos de investimentos.
Madofi pensou: oras, se a garantia do CDB é dada pelo governo federal a aplicação em títulos do governo é muito mais garantida. Se meu ex-patrão e seus amigos ganham comissão para administrar o dinheiro dos outros é porque quem aplica com eles não estudou o tanto que estudei para aprender, deixam para os outros aplicarem seus recursos por falta de conhecimentos - Tou fora! - frase que costumava ouvir a beira da piscina do haras quando um "figurão" daqueles dava uma recusa.
Depois de acompanhar o debate, que estranhamente saiu da mídia, sobre a rentabilidade da poupança e a dos demais investimentos com a queda na taxa básica de juros, Madofi já estava decidido.
Iria aplicar R$ 5 milhões em ações, 60% em Petrobras e 40% em Vale do Rio Doce, não quer muito risco por não precisar correr desesperadamente atrás de uma fortuna que ele já possui, mas também quer investir em bolsa em longo prazo, para acompanhar de vez em quando e por acreditar nessas duas empresas de futuro promissor. Dos R$ 15 milhões restantes, R$ 4 milhões usaria de imediato para ajudar seus familiares e comprar uma pequena propriedade para realizar seu sonho de ter um cultivo de pimentas para comercializar.
Os R$ 11 milhões vão para os investimentos mais seguros e rentáveis que avaliou: R$ 3 milhões em LTNs, com vencimento em 01/07/2011 a taxa de 10,50% ao ano; R$ 8 milhões em NTN-B com vencimento em 15/08/2024 a taxa de IPCA, mais 6,40% ao ano.
Se educando financeiramente Madofi descobriu muita coisa.
Descobriu que não existem investimentos com retornos mágicos.
Que rendimentos passados não são parâmetros para avaliação de rendimentos futuros. E o mais importante, que o deixou muito surpreso, foi o fato de se discutirem tanto sobre tributação, taxação da poupança, taxa de administração de recursos e outros assuntos relacionados ao novo patamar do juro básico e uma aplicação como em NTN-B ainda render inflação mais 6,40% ao ano por um prazo tão longo e com garantia federal.
Se por um infortúnio ele perder os R$ 9 milhões que investiu em bolsa e na propriedade, for obrigado a gastar os cerca de R$ 3,5 milhões aplicados em LTNs, em 2024 ele terá seus R$ 20 milhões, mais a inflação do período corrigida, no resgate da NTN-B em 2024.
Madofi ficou feliz com seus investimentos, no entanto, ao se tornar uma pessoa mais lúcida em relação à realidade financeira brasileira, ficou um tanto aborrecido e questionou:
Como pode um país remunerar uma aplicação financeira a uma taxa tão alta, por tão longo tempo como as aplicações em NTN-Bs?
Como pode o setor bancário cobrar um juro tão alto na taxa de empréstimos?
Com uma taxa de juros deste tamanho por um período tão longo só investe na produção quem quer correr muitos riscos. E com uma taxa de empréstimos desta magnitude mais dia menos dia, numa crise dessas qualquer, os emprestadores não vão receber de ninguém, pois quem toma empréstimo a mais de 100% ao ano é porque tem grande chance de quebrar.
Investimentos mágicos não duram para sempre, mais hora menos hora, vão todos pro vinagre, O Madoff norte-americano que o diga!
Há 35 anos no mercado financeiro, Waldir Kiel Junior é economista e escreve mensalmente na InfoMoney, às quartas-feiras. waldir.kiel@infomoney.com.br